domingo, 28 de novembro de 2021

Zumbi, Chefe Revolucionário

Após sobreviver ao porão do navio da morte,

pisou em uma terra de sapê batido, 

já manchada de sangue nativo


Após as primeiras milhares de chibatadas,

se levantou junto aos seus camaradas,

vingou-se de seus senhores em busca de liberdade


Na mata, 

Palmares fez Zumbi

Chefe revolucionário que libertou seu povo,

que resistiu mais de um século 

Até hoje seu exemplo vive em todas as massas empobrecidas,

que se levantam diariamente contra o genocídio


Do Quilombo dos Palmares a Liga dos Camponeses Pobres, 

a luta pela terra no Brasil continua, 

a luta pelo parto da humanidade ainda perdura


Zumbi ainda hoje se perpetua, 

como um ícone da luta justa e crua do povo 


São Gonçalo, 2021 


sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Um Amor do Pandemônio

 É verdade, detesto muitas coisas. Entrei naquela sala, naquele dia, e tudo que senti foi um medo e ódio profundo. Medo de estar voando muito longe, onde meus pés não podem tocar, medo de estar sendo jogado aos lobos sozinhos e tudo que vi naquela tarde quente foram lobos. Dentre tantos rostos, tantas pessoas com suas histórias e construções sociais, a vi. No primeiro momento, pensei: ‘’se ela fosse do meu mundo, eu me apaixonaria’’. 

    Para ser sincero, não foi isso, mas gosto de pensar que foi. Porque não demorou muito pra esse sentimento tomar conta de mim durante semanas e só hoje consigo perceber que foi isso mesmo. E eu odiava, odiava o fato de não concordar em nada com ela, de tudo que saia de sua boca me impactar tanto sem ter sido a intenção. Bastou um mínimo aceno e lá estávamos, de repente, depois de meses entrando em colisão, conversando todos os dias. Ela era do meu mundo, afinal de contas, não era uma inimiga.

No meio do pandemônio, tudo floresceu. Enquanto tudo estava obscuro e terrivelmente triste, nossa relação era azul, amarelo e verde. Passamos juntos pela estação das brumas e tudo que eu senti foi uma vontade assustadora de guardá-la dentro de meu coração com todas as minhas forças e não deixá-la ir embora nunca de minha vida.

Nossas tardes foram tão fortes que sempre pareciam durar muito mais do que de fato duravam, só valiam os sorrisos, os olhares, a nossa química implacável e as nossas pequenas aventuras. Aquelas fugas em meio ao caos marcaram tanto, que até hoje sonho com elas, aquelas horas de paz com certeza ficaram marcadas na minha memória. Os olhos dela sempre tão profundos me atormentaram por tantas semanas, que até hoje me intimido com eles. Aquele rosto tão insuportavelmente bonito, o jeito de falar que sempre me transmitiam uma vontade desesperada de querer escutar mais, de querer chegar cada vez mais perto dela, me levaram a sentimentos tão fortes que não era possível ignorar. A fascinação por alguém é algo que não podemos escolher ou controlar no final de contas, se apaixonar é se desesperar e me desesperei. 

É difícil estar crescendo pois tudo sempre parece estar mudando, o tempo todo acontecem tantas reviravoltas e a maior parte delas simplesmente não levam a lugar algum, dói bastante não conseguir corresponder às mais torpes e pequenas expectativas que nos são imposta, pelos os outros e por nós mesmos. A magia que senti dentro do meu coração, todo aquele sentimento tão pulsante, no final de contas pareceu ser algo somente individual, metafísico, idealista. Sonhei em adentrar ao infinito, todavia esqueci que o trecho Niterói-Manilha da BR-101 Sul termina em Niterói, na saída 322. 

Me perdi em meus anseios, em meus próprios sentimentos e nessa crônica. Eu odeio, eu odeio escrever, porque por mais que eu queira, palavras não mudam nada e o vento as espalha tanto que por muitas vezes elas voltam e me despedaçam com ainda mais força.   


Niterói, 2021


A Velha São Gonçalo

 O que me vem à cabeça quando alguém fala de São Gonçalo? 


Casa, é o que vem à minha cabeça. A vista da Praia da Luz, a saída 316 da BR-101, a correria do Alcântara, o intenso laranja do fim de tarde da Guanabara. Lembro também de todo o sangue pobre derramado diariamente pelo velho Estado, lembro do lixo que é jogado aos montes, dos 70% de esgoto não tratado, da condição desumana que é a realidade de muitos neste lugar. 


Mesmo assim, o povo de São Gonçalo é como o pico do Morro do Castro, um lugar que mesmo tão largado, ignorado, apagado, violado, consegue se manter imponente. Entre as balas perdidas, as tempestades que tanto insistem em causar o caos, as pessoas que constroem esta cidade estão de pé todos os dias desafiando tudo que lhes é imposto. 


Para a juventude, a velha São Gonçalo é uma prisão invisível que os controla, fere, mata e oprime. Cresci aqui e vi com meus próprios olhos como ser jovem em uma cidade tão velha quanto esta é difícil, como é difícil não deixar o atrasado dominar por completo ou então não se dar por vencido. Tão bravos são os jovens da velha São Gonçalo, resistem a tantos ataques, lidam com seus dilemas da juventude em meio a um contexto de guerra diária, tanto contra a polícia, o tráfico, a milícia, quanto contra tudo que é mais atrasado nas massas profundas. Para ser jovem na velha São Gonçalo, é preciso deixar de lado as lágrimas durante o dia e lutar com a cabeça erguida para não sucumbir por completo.


Certa vez estive andando pela Estrada das Palmeiras, olhei para a serra do vulcão e me peguei embasbacado com sua beleza e imponência. Ao olhar para baixo, para frente, tive um choque ao observar que havia um mangue tomado não por animais, mas sim por pessoas que, no desespero, construíram suas casas em cima da lama espessa do manguezal. Eram pessoas tão miseráveis, que mesmo assim, não baixavam a cabeça, estavam dispostas a se ajudarem, com coragem e bravura, enfrentando literalmente e não literalmente jacarés e cobras para poderem viver. 


Quando alguém me pergunta: "o que você pensa quando alguém fala em São Gonçalo?" A resposta é óbvia: "O lugar de um povo com coragem". 


São Gonçalo, 2021