quinta-feira, 2 de maio de 2024

As Borboletas

 Dizem que as borboletas são sinais de mudança e de todas as crendices populares é uma das que mais gosto. Pois as borboletas são graciosas, alegres: verdadeiras alegorias de como a vida é curta e que todo dia é dia de viver. 

Tem sido um tempo de borboletas, mesmo sem eu ter visto alguma e confesso uma das coisas que descobri recentemente, é que tenho medo de borboletas. São tantas lutas travadas (e vencidas?) que acaba sendo difícil comemorar, difícil saber a hora que podemos respirar fundo e somente olhar o horizonte de forma calma e pausada, sem desespero ou receio. De peito aberto ao vento, esperando a vida acontecer. 

Viver deste lado da cerca é lutar a todo momento e o que podemos fazer em meio às tormentas que mudam tudo de lugar, é entender sempre em qual lado estão as borboletas e não ter medo de voar em meio a elas. Abrir o peito para o novo, com paixão e tesão pelo frescor da alvorada. 

São Gonçalo, 2024 


Um Dia Normal

 O sabor de ter um dia normal é como se deleitar em uma sintonia tão robusta de paz, de adentrar um ritmo tão leve que evoca os sentimentos mais ínfimos e pequenos. Aquele momento em que podemos fechar os olhos e bocejar bem fundo, sem medo do julgamento, sem qualquer peso. 

Tem dias que o complicado nos atormenta tanto, que o simples parece o que temos mais de precioso. Queria escrever hoje sobre um dia normal, um dia bom, daqueles que a gente lembra no calendário e que não aconteceu absolutamente nada grandioso ou planejado, que o que aconteceu foi simplesmente a vida caminhando em um caminho bem conhecido e até de certo modo clichê, mas que de fato foi um dia de olhar para dentro e poder respirar o mais profundamente possível e dizer:

 “Hoje não fui a história triste de sempre”. 

São Gonçalo, 2024




segunda-feira, 22 de abril de 2024

Ventos de Primavera

Tem soprado um vento de primavera para este lado da Baía. Mesmo que tímido, tem entrado e bagunçado de forma avassaladora essa temporada, tem sido tempo de uma ansiedade benigna, de ver diante dos meus olhos desconfiados as coisas entrando onde realmente deveriam estar. 

Tenho muitos medos e muitos deles não são tão justificáveis, confesso. Pode até parecer um pouco estranho, mas tenho um medo profundo da BR à noite. Depois das 22hrs, olhar para aquele mar e só ver refletido a lua em suas pequeninas ondas me dá medo. Sentir a cada passada de carreta, tão perto, uma sensação de pequeneza profunda, de uma insignificância retumbante diante daquela estrada que tem vida, é desesperador. O mais curioso é que ao mesmo tempo o impulso que vem diante de meu coração é de seguir cada vez mais rápido, de pedalar cada vez mais forte, pois estou vivo. Vivo diante daquelas carretas tão grandes, vivo em cima de toda aquela rodovia que grita e aterroriza, pedalando por cima das humilhações, das cátedras, da depressão, das velhas formas de vida. Mesmo em meio ao terror a bicicleta gira e o tesão toma conta, tenho uma queda pelo susto, um pacto com o terror da BR-101.  

Esse mês senti o vento da primavera soprar para esse lado da Baía de Guanabara, confesso que enquanto pedalava olhando o mar e a lua em meio a escuridão completa da BR, chorei. Um choro de primavera, um choro de mudança, um choro com gosto de vida. 

São Gonçalo, 2024 


quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

A Lógica das Marés

Definitivamente não sei escrever. Porém pensei aqui comigo, que falar sobre os meus sombrios sonhos desta quinta-feira não deve ser mais difícil do que entender esse vai e vem das marés da Baía de Guanabara. Ontem elas estavam tão altas pela manhã que por um momento pensei que fossem invadir a rua. Porém hoje estavam tão baixas que um cheiro de morte entrou forte em meus pulmões, me fazendo sentir uma vontade muito profunda e genuína de vomitar. 

Eu costumo sonhar com a Baía de Guanabara, essa semana mesmo sonhei que estava navegando no meu caíco para a ilha de Jurubaiba. Eu e o mar, o sol e a maré. Nunca fui difícil de agradar, meu éden é um dia de sol e sombra fresca embaixo de uma árvore na Praia da Luz, eu poderia passar a vida toda naquele sonho. Infelizmente uma voz lá do fundo me acordou e logo senti amargamente aquele cheiro de morte que estava por todo lugar, não saiu do quarto por nenhum segundo naquele dia. 

Tenho sonhos sombrios sobre mangues. Sobre mangues de lama espessa, aqueles que conseguem engolir histórias, que conseguem limpar até a mais poluída água que passa por ali. 

Hoje é quinta-feira. Tive um sonho desses. Sonhei que estava andando na Ary Parreiras e de repente todo aquele valão fedorento virava um mangue e me engolia, tentei lutar, mas de que adianta? A maré estava mais forte. A maré sempre é mais forte e aquele cheiro de morte estava por todo lado. 

Eu gostaria de entender a lógica das marés, não sei porque precisam ser tão fortes em dias tão normais, não entendo porque precisam ser tão devastadores naqueles dias mais sombrios. Na baixa e na alta, nunca vai embora, está sempre na espreita pronto para engolir braços, pernas e histórias. 

São Gonçalo, 2024