Da minha janela dá pra ver a Baía e confesso que por muito tempo isso me bastou. Apenas assistir a maré subir e descer em todo crepúsculo e alvorada era o suficiente, mas conforme os anos foram passando, os poucos dias de passeio pelas praias do atlântico foram me instigando, me provocando.
As 3 horas e meia dentro dos ônibus que subiam morros desnecessariamente íngremes, a volta toda coberta de sal por um longo caminho, o caos de ir em família com um complexo esquema de logística, desmotivava. Pouco tenho memórias concretas desses dias, pois eles foram muito poucos, momentos únicos durante a minha infância.
A verdade é que o Atlântico é negado para o povo de São Gonçalo, mas eu sempre me embasbaquei, sempre amei o oceano, sempre adorei olhar para o horizonte infinito e me sentir de alguma forma familiarizado com aquele vazio profundo e visceral. As ondas são sempre apenas um detalhe, que contrasta com a extrema paz que sempre sinto ao pisar naqueles grãos de areia tão finos que permeiam meu corpo mesmo após dias distante daquele lugar.
São 24km que me separam do Atlântico, que me separam da praia, do sol, do horizonte e do azul do leste fluminense. Toda vez que o persigo, toda vez que pedalo pensando em debulhar-me naquele mar infinito sinto cada parte do meu corpo completamente viva, renovo-me para continuar lutando e mesmo os 24km da volta são uma inteira realização, uma felicidade e uma paz de estar transgredindo as diversas barreiras que a velha sociedade e o velho Estado colocam entre mim e o Atlântico. Pois se nos é negado as melhores coisas de nosso lugar, que tomemos-nos em nossas mãos! Que recuperemos um por um!
São Gonçalo, 2022