quinta-feira, 18 de agosto de 2022

As Tardes Vermelhas da Guanabara

Eu conheço todos os buracos entre São Gonçalo e Niterói, talvez conheça até mesmo todas as pedras do asfalto e mesmo assim não tem uma vez se quer que não fique impressionado com o fim de tarde da Baía de Guanabara. É como se eu me sentisse parte daquilo, como se de algum modo aquilo tudo também me pertencesse e na realidade, pertence, pertence a todos nós. 

Toda vez que subo na minha bicicleta em busca do meu futuro, em nome da luta por mundo diferente, é como se tudo aqui fosse cada vez mais parte de mim. A cada pequena vitória, a cada pequena luta, tudo avança e se transforma. Alguns porcos insistem em querer nos tirar tudo, até mesmo nossa cidade, nossa identidade, além da nossa dignidade. Temos visto tantas cenas lamentáveis, a Amaral Peixoto abrigando tantos apartamentos vazios e em baixo de suas pilastras milhares de famílias sem ter onde viver. Enquanto nas favelas o tiro come solto em cima das massas desarmadas, os malditos batem no peito para dizer que a cidade sorisso é exemplo para o Brasil. Exemplo de eugenismo, só pode. 

Para todo lado tudo que se vê por aqui é o povo que não aceita mais ser chicoteado, que cada vez mais levanta sua cabeça e luta. Os finais de tarde na Baía de Guanabara cada vez mais são vermelhos, e pertencem a todos nós. 


São Gonçalo, 2022


Aquele Dia em Jaconé

Passei algum tempo pensando dentro deste ônibus e realmente aquela rua de chão batido, no meio do mato, é assustadoramente empolgante de ser percorrida. Me lembra da última vez que vim a Jaconé. A primeira fulga ninguém mais lembra, mas eu lembro. Eu estava até com os pés no chão, pois os chinelos já haviam sido perdidos. Naquela época o vermelhinho seria muito útil, pois tive que pedir um favor que nunca vou poder retribuir àquele motorista do RJ 108.038

Pode parecer um pouco específico esse início, mas as coisas foram mudando tanto, se modificando tanto, que na maior parte do tempo dói muito refletir sobre. 

Dizem muitas coisas sobre família. Uma delas é que sempre parece que tudo vai acabar, mas não acaba. Porém entrei nesse ônibus sentido um gosto tão amargo na boca, acho que dessa vez acabou de fato. E começou a acabar naquele dia em Jaconé, naquela primeira fulga. 

O pior de tudo é que ninguém disse adeus, mas todos deveriam. 

A nostalgia é vadia, mas o amor filia ordinário, e é por isso que não abro mão de tentar, de subir no E14, de adentrar as escuras ruas de barros no meio do mato, assustadoramente incríveis. Porque sinto falta de me sentir protegido, abrigado, sinto falta de sentir que ainda há uma família de fato. 

Saquarema, 2022 


Simplicidade

 A simplicidade é tão valorosa, 

não há nada mais bonito


O nosso povo luta tanto, 

é tão massacrado, 

e mesmo assim é fiel,

não abre mão do trabalho duro e da cervejinha do domingo


Churrasco torrando,

Pagode tocando, 

Sorrisos esvoaçantes,

O Rio de Janeiro é mais do que aquela paródia de Miami


São Gonçalo e Nova Iguaçu, 

78km de distância,

mas o mesmo povo que faz qualquer lugar parecer com o nosso lar 


Nova Iguaçu, 2022