Existia lá na copa do abacateiro uma comunidade, uma comunidade de abacates. Abacates comuns, trabalhadores que viviam de verão em verão tentando sobreviver de acordo com as mudanças do vento, dia a dia tentando permanecer imóvel mesmo com todos os balanços dos galhos.
Até que dia ocorreu um reboliço, que tomou conta da comunidade, tanto movimento que a árvore balançava mesmo sem vento. Em meio ao frenesi de um novo verão que estava prestes a começar, Firpo olhava fixamente para o chão tentando aceitar que talvez sua vida não fosse o que ele queria de fato, mas algo nele o fazia pensar que tudo estava próximo de mudar.
- Dora, você sabe o que está acontecendo?
- Como assim, você não soube da notícia? Estão preparando um novo plano para assassinar nossos colonizadores
- Mas o que eles fizeram? Nem mesmo cortaram nossos galhos ainda?
- Firpo, você está louco das ideia. ELES EXISTEM! Podem nos destruir a qualquer momento. Você realmente acha que da para confiar?
- Não sabemos nada, o que será aquele azul lá no fundo? O que será aquele azul aqui em cima? Por que eles não falam nossa língua? Será mesmo que nos odeiam? Ninguém sabe Dora. Não sabemos, não sabemos nada. Isso não te perturba?
- Desculpe Firpo, mas não preciso de nada além dessa seiva. E é esta seiva que está ameaçada por esses bárbaros.
A noite caiu como também caiu as velhas e secas folhagens que ainda insistiam em se agarrar a temporada que tinha acabado no dia anterior, a lua já tomava seu lugar lá no alto e Firpo só conseguia pensar em como ele não conhecia nada no mundo.Na copa do corpo verde o Rei Abat II maquinava seus planos de dominação e planejava passo a passo, no fundo ele sabia bem que um ataque direto não surtiria efeito seu pai, Cate IV, já tentou de maneira fracassada o fim dos cabelo preto que moram embaixo da morada dos abacate:
- Meu pai era um grande homem, mas não tinha o culhão necessário para finalizar o serviço, só tem uma forma de matar um cabelo preto.
- E qual seria vossa majestade?
- Ah meu caro Tim, uma missão suicída. E quero que você me faça um favor
O dia amanheceu e um cartaz no meio da praça estava colocado com os seguintes escritos ‘’Se você quer conhecer o mundo, coloque aqui seu nome e diga o motivo, as melhores respostas ganharam o direito de viajar’’. Firpo estava andando junto com Dora pelo centro e ao se deparar com a multidão ficou se perguntando do motivo, do porquê estava instaurada tal confusão.
- Firpo estão recrutando pessoas para irem nas novas excursões, seu sonho não é esse? Por que não tenta se inscrever?
- E como eu responderia a essa pergunta?
- Não sei, só saberá se você escrever
Foi então que Firpo pegou o lápis e tentou escrever, tentou mostrar o que tinha em seu coração:
‘’Teve um dia em que olhei para dentro de mim e perguntei: O que eu sou? Eu sou uma fruta, um abacate. Abacates são frutas originárias da mata atlântica, vivem em árvores angiospermas com copas altas e folhas largas. Abacates nascem, crescem, se reproduzem e morrem. Eu sei o que é um abacate, mas não sei quem sou. Eu sei de onde abacates são, mas não sei de onde sou. Eu sei que abacates nascem, crescem, se reproduzem e morrem. Mas não sei se nasci, não sei se cresci, não sei se irei ter filhos, mas sei que morrerei. Pois a morte é a única certeza que todos temos, é o que nos mantém vivos. O medo da morte iminente me faz querer ver o mundo, me faz querer entender e viver o que sou. O que sou de verdade, além do meu imenso vazio.’’
- Dora, vamos, já acabei.
Enquanto Firpo estava a caminho de casa, o Rei já recolhendo as cartas junto a seu serviçal, logo após bater de cara com a carta de Firpo, já sabia, é ele. Foi então que Abat o chamou a seu castelo e lhe fez a proposta
- A vida é um mar de possibilidades mesmo, em um momento você é um abacate do mato e em outro você está de frente com o seu Rei lhe dando uma missão
- E o que seria essa vossa majestade?
- Você quer conhecer o mundo e preciso que alguém me traga boas novas do mundo exterior, você está disposto?
- Eu só quero conhecer o mundo senhor, eu aceito
Os dias passaram e Firpo pode se despedir de Dora, escreveu cartas para seus sobrinhos, limpou sua casa pela última vez. Quando enfim chegou o dia, os propulsores foram instalados em seu corpo. Ele olhou nos olhos de Abat e percebeu um prazer estranho nos olhos de seu soberano, mas naquela altura o caminho de volta para casa não poderia ser preenchido mais uma vez.
Quando ele começou a cair, a zarpar em busca do novo mundo, o calor e a vulgaridade de seus pensamentos atingiram seu coração de uma forma tão forte que uma explosão de felicidade o acometeu. Sorrindo ele viu um novo horizonte amanhecer, sorrindo ele se viu pisando em cabelos pretos. Firpo percebeu a morte chegando, mas também percebeu que nunca antes tinha se sentido tão vivo, procurou a vida toda um significado e o encontrou justamente na hora de sua morte. De repente o medo da morte iminente havia passado e isso de certa forma o libertou, Firpo estava agora feliz e não poderia pensar em mais nada.
Ele pulou para salvar seu povo, para adentrar novos horizontes e conhecer novos dias, ele pulou para achar sua essência e somente encontrou sua morte. A sua, a de um cabelo preto que ele não conhecia, não sabia falar sua língua e que teve sua vida ceifada naquele momento. O fim, um momento que é esperado, mas nem sempre almejado, mas no fundo todos sabemos que uma hora ele irá chegar.
Por J.P Goulart
Por J.P Goulart