Sou de São Gonçalo. Cresci andando descalço pela feira de Neves, jogando bola nas ruas de meio-fio alto do Boa Vista, me perdendo no caos de Alcântara e naquelas espaçadas quadras do Jardim Catarina. É uma loucura, aquelas ruas parecem realmente todas iguais e as calçadas, tão esburacadas, parecem mais autênticas.
Sou de São Gonçalo. Sempre gostei da Praça da Trindade, pois até The Smiths tocava. Lá tinha rap, samba, funk, pagode e até gospel. A Lapa era em São Gonçalo, lá na Parada 40. Maldito Capitão Linguiça, acabou com aquele lugar. É incrível porque qualquer buraco depois de 0h em São Gonçalo vira point. O povo daqui sabe curtir.
Sou de São Gonçalo. Teve até uma vez que peguei um ônibus que dizia para calar a boca e que me levou pra Maricá. Isso só não é mais peculiar, do que pensar, que em São Gonçalo também tem mar. Apesar dos apesares, a Praia das Pedrinhas está lá de pé, e é tão bonita que não merecia ter em suas pedras tanto esgoto. O que podemos dizer também da Praia da Luz, da Serra das Palmeiras, do vulcão? Aos meus olhos não existe lugar mais bonito, mas hoje em dia são quase como lenda urbana. O velho Estado é tão sádico, conseguiram criminalizar até mesmo a natureza, pois a pobreza já se tinha feito há tempos aqui.
Sou de São Gonçalo. Sou marginal e não sou herói, sou como qualquer pessoa normal tentando sobreviver, viver em São Gonçalo é ser marginal. Não estamos à margem da Baía de Guanabara (mesmo que geograficamente estejamos), estamos à margem da urbanidade, do desenvolvimento, da dignidade.
Sou de São Gonçalo. A violência é tônica diária, pois todo dia esse chão é encharcado de sangue. O barulho das balas assombram, tiram o sono, mas quando o sol ainda nem levantou, todos os dias, o terminal de Niterói já está lotado. Esse povo tão massacrado não se entrega. Quanto mais caveirão, mais luta. A raiva só tem aumentado, a rebelião é questão de tempo.
Sou de São Gonçalo. Meu maior sonho não é ter um apartamento na Lopes Trovão, Icaraí fede. Meu sonho é viver em uma São Gonçalo diferente, sem mortes, sem favelas, sem pobreza, sem aqueles velhos buracos da Manoel Duarte.
São Gonçalo, 2023
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