domingo, 10 de setembro de 2023

Sandman e o Mundo Real do Sonhar

 Lembro como se fosse hoje o dia em que vi pela primeira vez uma edição de Sandman, foi no dia em que iniciei minha jornada no mundo das HQs. Tinha uma capa com um pássaro marron em um fundo escuro, me chamou a curiosidade e quando li o enunciado pensei ‘’isso é realmente algo que eu leria’’. É claro que os R$200 reais do preço de capa e as outras 4 edições eram uma barreira intransponível naquela época. Esse mês fazem 10 anos desse dia e desde aquela época foi sempre um verdadeiro objetivo conseguir ler essa obra transcendental, que só pela mítica já me atraiu, mesmo nunca tendo nem lido nada na minha vida aquela altura de meus 13 anos. Essa introdução pode ser que entregue um pouco, mas a minha reação ao anúncio do relançamento de Sandman pela Panini em um formato trimestral a um preço acessível, em razão do aniversário de 30 anos da saga, foi simplesmente indescritível. 

É sempre bom ressaltar que a fama da obra prima de Neil Gaiman, lançada entre 1989 e 1996, às vezes pode provocar nas pessoas antes de lerem um sentimento de que há na trama grandes reviravoltas ou uma história absolutamente mirabolante, porém não, Sandman não é sobre isso. A história de Sandman é definitivamente um pano de fundo para todas as metáforas presentes na história, para as reflexões profundas que estão inseridas em seus quadros, para diálogos simples que se integram e constroem todo um ideário, uma constelação do que é o Sonhar e Sandman. 

Os capítulos apesar de construírem passo a passo a mitologia e o desenvolvimento da jornada de Morpheus, possuem vida própria e buscam sempre ter um início, meio e fim próprios, sendo vários destes muito destacados, como temos ‘’Um Jogo de Você’’, ‘’Estação das Brumas’’, ‘’Entes Queridos’’ e tantos outros são parábolas maravilhosas de nossos sonhos mais íntimos, de como queríamos que a vida fosse diferente ou como as pessoas lutam para materializar seus sonhos no mundo real, mesmo que muitas vezes não sendo possível transformar em real de forma cabal. Nos provoca a refletir sobre nossa relação com as pessoas próximas a nós e também a nós mesmos, a pensar em como estamos vivendo e se mesmo estamos vivendo. O mais incrível é como Gaiman consegue transformar aspectos absolutamente míticos ou fantasiosos como fadas, deuses e até mesmo a personificação da morte em elementos muito palpáveis de nosso cotidiano. 



Os personagens que são apresentados ao longo da saga são absolutamente bem trabalhados e possuem características, histórias, contextos e profundidades muito bem desenvolvidas. É claro que Morpheus é o grande protagonista e todas essas dinâmicas e reflexões são de certa forma ligadas a ele (por motivo bem óbvio, ele é literalmente o sonho, a encarnação de todos os nossos anseios e desejos e também o elemento central da construção de Sandman), porém diversos personagens se estabelecem de forma tão preponderante, que "roubam a cena". Morte por exemplo: irmã do Sonho, a que deveria ser a executora, rodeada de amargura e dor, é quem em diversos momentos representa o renascimento, a vontade de continuar a luta e a encorajar seu irmão a não ser tão derrotista. É quem exala vida, mesmo sendo a fim. Morte é apresentada como a ponte entre a vida e os sonhos, a chama que mantém acesa a vida mesmo sendo sua nêmesis. Os demais personagens derivam todos de metáforas, possuem visão e características muito próprias das mitologias que representam. Como Delírio, que representa um olhar de criança do mundo e que em muitos momentos é uma das personagens mais lúcidas de toda a história, ou como Lúcifer, o estrela da manhã que se cansou das velhas tradições e do seu velho mundo e decidiu deixá-lo para trás, começar uma nova vida em um novo mundo, além de tantos outros personagens que buscavam de alguma forma encontrar sua felicidade em seus sonhos e batalhavam contra a realidade para alcançar. 

Não pretendo aqui entrar em capítulo por capítulo, mas a forma como é construída a história nos conduz a entender Sandman como uma saga de atos distintos, que provoca o leitor a realmente ver do ponto de vista do sonhar o dia a dia de nossas vidas, para entendermos o quanto nossos sonhos são ligados com a capacidade de imaginarmos um mundo melhor, diferente, um mundo onde podemos vivermos sem todos esses pesos desta sociedade doente que vivemos. Em Sandman está presente os motivos do quanto é difícil sonhar, do quanto é difícil enfrentar essa sociedade sem perdermos os nossos sonhos. 




A arte incrível também precisa ser ressaltada, combina exatamente com tudo que Gaiman busca passar em sua obra, essa irreverência e magnificência do sonhar e dos perpétuos. Sandman é fabuloso, magnífico, uma reflexão profunda sobre nossos sonhos e a vida real. 



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